Crónicas de Muxagata

Viver entre Lisboa, Coimbra e Muxagata é, para mim, uma dança, muito mais do que uma simples geografia. Talvez, pense esta dinâmica como uma viagem entre mundos que, à primeira vista, parecem incompatíveis, mas que acabam por se entrelaçar na complexa tapeçaria da minha identidade. Coimbra deu-me uma sede insaciável pelo conhecimento, talvez o ar mágico da cidade universitária onde cada esquina guarda uma história, o meu berço ou as saídas com amigos que prolongavam conversas até à madrugada. Lisboa impôs-me o ritmo frenético do quotidiano com a sua pressa constante, a melodia ininterrupta do trânsito e dos passos apressados e os dias que parecem escorrer entre as mãos, sempre com a promessa de respirar cultura nos intervalos.

Mas, falemos de outras paragens. Fui reencontrar o grande, ‘MAS’ da minha essência em Muxagata, uma pequena aldeia onde nasceram os meus Avós maternos e onde o tempo parece, por vezes, ter parado para eu poder respirar. Finalmente, encontrei um lugar onde não preciso de me esconder, nem de me adaptar, nem de justificar quem sou. Não é que Lisboa e Coimbra não me façam sentir assim, mas aqui sinto-me verdadeiramente inteira, genuína e, acima de tudo, profundamente eu mesma. Ana. Ponto final.

Nesta aldeia, onde as montanhas envolvem tudo num abraço silencioso e o ar cheira a vinhas, figos, pão acabado de cozer, tomates coração de boi e a terra molhada. Enfim, cheira a Família! Aqui, não existe espaço para as máscaras sociais que, tantas vezes, nos vestem sem darmos conta. Não é preciso fingir pressa quando não há pressa nenhuma, nem explicar a ansiedade quando o único compromisso é sentar-me no café mais próximo e ficar a ouvir histórias que atravessam gerações. A calma é uma presença constante, quase palpável, que convida a uma existência mais plena, mais consciente e mais divertida, sobretudo quando me tento encaixar nas rotinas locais.

Confesso que a minha adaptação a este ritmo, que à primeira vista parece quase hipnótico, tem sido o mote de muitas gargalhadas — desde o episódio no café ao lado de casa, onde a minha pressa foi rapidamente desarmada pelo ritual social que aqui se vive, em que perguntar pela família a que pertencemos, discutir o tempo, plantações, colheitas e partilhar um café se sobrepõem a simples uma simples ida ao café ou comprar pão. Nem queiram saber sobre a minha saga das aventuras desajeitadas nos bailaricos, que, apesar da minha boa vontade e esforço, está mais do que provado que a minha habilidade para a dança popular é tão escassa quanto o silêncio num sábado à tarde em Lisboa. Ainda assim, os sorrisos dos locais e a generosidade dos seus convites fazem-me sentir acolhida, não importa quantos passos tortos eu dê.

Falando em desafios, tenho de mencionar o bafo deste verão! O ano que parece ter decidido queimar até a última gota de paciência de qualquer pessoa. Apresento-vos o “calor do demo”! Não é brincadeira, é daqueles que nos faz questionar se, afinal, as brasas do inferno não estão tão longe assim. Curiosamente, foi este mesmo calor abrasador que me fez descobrir uma faceta campestre que desconhecia. Por mais que Lisboa me tivesse habituado às noites frescas e à agitação urbana, é aqui, com o sol a escaldar as pedras e o cheiro seco dos montes e vales a preencher o ar, que me sinto verdadeiramente conectada à terra e à minha ancestralidadem, não querendo ser demasiado “"Shanti Shanti”.

Voltei a pintar, voltei a jogar basketball, desafiei-me a aprender a tocar bateria e a voltar aos acordes da guitarra. Voltei ao desenho em modo freestyle e aos cavalos. Comecei a compreender melhor o mundo dos vinhos e a herança do conhecimento que o meu Pai me deixou. Voltei a sorrir de forma genuína e voltei a reconhecer o meu brilho no espelho.

Aqui o tempo parece parar, algo cientificamente não comprovado. Da janela da sala observo os mais velhos a conversarem à soleira da porta, as crianças a correrem pelas ruas, enquanto eu tento sobreviver com um copo de água fresca na mão e um sorriso meio derretido, meio orgulhoso por me sentir campestre. Muxagata prende-me pela sua a autenticidade, pela liberdade de ser eu sem precisar de explicações ou desculpas, a simplicidade de partilhar um olhar, um silêncio ou uma conversa que não precisa de pressas nem de interrupções. Descobri que a felicidade em estado puro nas coisas mais simples, nos aromas, no som das cigarras e no calor do sol que, apesar de abrasador, aquece a alma. Não é apenas um lugar, é um refúgio para a minha alma inquieta que sempre quis desacelerar e para o coração que procura raízes.

A “Ninó, Aninhas, Anita dos Cavalos” e os mil nomes que tenho de infância, culminam todos aqui e eu nem sabia. As infinitas férias que aqui passei em criança, fazem-me agora sorrir e saber que encontrei o meu lar.

Se podia continuar a contar-vos coisas, a partir daqui, poder podia... Mas, vou voltar para a minha bolha (e, btw, não era a mesma coisa)!




 

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