Rota de "Coimbra como Soundscape"
Afonso de Noronha (personagem idealizada por mim), foi estudante de Direito da Universidade de Coimbra nos anos 70, oriundo de Trás-os-Montes, nascido no seio de uma família abastada, cai numa nova realidade. Muita foi a folia, a angústia dos exames, os amores, os clamores, e as memórias… Ai as memórias...
Essas sim, ainda lhe assolam a alma. É por isso que decide voltar, anos mais tarde, à Cidade que o viu desabrochar para a sentir como sua de novo. Se as paredes falassem e os suspiros do vento fossem música, seria a melodia perfeita para um fado.
Ao realizar o percurso, Afonso, percorre diversos locais emblemáticos, contando as suas estórias para que se torne imortal a recordação do passado. Todas essas estórias serão narradas durante a Rota para que o turista sinta um pouco do que é viver Coimbra na mais pura essência. Ao realizar a Rota irá sentir que recua no tempo, emerge e acaba no confronto com a palavra e o sentimento de saudade.
Caso tudo isto seja sentido, então a Rota terá feito justiça à minha dedicação e trabalho. Para a realizar basta seguir as coordenadas de um mapa ou GPS, através dos pontos de paragem facultados neste trabalho. Tem a duração de 20 minutos a pé (1,4 km).
Esta rota pode ser feita através de outros (as) personagens, quer alunos, poetas, escritores, fadistas, habitantes da cidade (Ex.: Salatinas, um povo que vivia junto à Universidade de Coimbra (Paço das Escolas) e que foi desalojado do local para se construírem as Faculdades, tendo sido realojado no Bairro de Celas), todas estas personagens geram curiosidade. Assim sendo, a rota poderá ser ligada à experiência e história de cada um, podendo o turista sentir, ouvir e cheirar Coimbra de distintas formas.
Consoante a personagem ou o tipo de turista, a rota poderá passar por outros pontos da cidade.
Coimbra como Soundscape, poderá também servir como alicerce de pequenas encenações teatrais que poderiam ocorrer em cada ponde de paragem da rota, levando o turista, ele próprio, a personagem e a sentir tudo na sua plenitude. E Afonso é apenas uma ponta do pano que Coimbra tem por desvendar através dos seus sons.
1) Torre da Universidade de Coimbra
No cimo da Torre da Universidade de Coimbra (ponto focal), contemplando o quadro vivo que se lhe apresenta. Fica em paz, relaxa e sente o turbilhão de movimentos que acontecem na cidade, perante a serenidade do Rio. Lá longe, corre o Mondego, devagarinho e, Afonso sente a paz que a sua alma precisa. Ao cair da tarde, a Cabra bate nas sete, Afonso, acorda de um estado de profunda contemplação.
Apressado para descer, recorda do turbilhão dos dias em que a Cabra batia como chamamento para as aulas. Olha para trás e recorda a serenidade do Mondego e as quantas estórias de amores perdidos lhe confessou baixinho, vem-lhe à memória apenas uma música que o remete para um novo estado de relaxamento e memória de um passado afinal, tão presente.
“Corre Mondego” - Compositor: Lucas Junot
"... Corre Mondego, devagarinho
Paz e sossego, vai de mansinho
Corre Mondego, devagarinho
Paz e sossego, vai de mansinho ..."
Durante a longa descida em caracol, lembra-se de cada cifra musical, recorda os tempos idos, abraça as recordações, fica em paz e sossego descendo de mansinho, tal e qual corre o Mondego. De volta ao Paço das Escolas, tem um déjà-vu da sua vida de estudante, das tradições e do seu fado de vida. Com esta aura a rodeá-lo, continua a sua rota pela cidade que o acolheu e lhe encheu a alma…
2) Fado ao Centro
Atravessando por ruelas e vielas, recheadas de velhas emoções, chega a um dos seus retiros prediletos, onde se perdia nas tardes de gazeta e sentado à mesa, volta a perder-se nos sons do ambiente, o burburinho do público ansioso, beberica o seu vinho, prova mais um petisco e ouve-se, “Silêncio que se vai cantar o fado!”.
Mergulha num sentimento ímpar que o prende a cada palavra. Assim começa, uma melodia que tão bem conhece e o transporta para os tempos áureos, acompanhado pelos seus colegas e camaradas, de capas traçadas e jantares bem regados.
Relembra os seus namoricos fervorosos, mas, foi Coimbra que lhe trouxe o primeiro amor de estudante que perdura no tempo, relembrando a mítica frase “O que Coimbra uniu, ninguém separa!”. Nesse exato momento é assaltado pela canção de Coimbra, transmitindo mais uma vez a saudade de nela e através dela ter vivido.
Sacode a cabeça e pensa, que foi aquele primeiro amor, o perfeito, e como a música diz, amor de estudante não dura mais que uma hora e o seu é tão velhinho quanto esses tempos em que a sua capa adejava durante as celebrações em uníssono com a da sua amada.
“Vira de Coimbra” – Compositor: José Afonso
"... Coimbra pra ser Coimbra
Três coisas há-de contar
Guitarras, tricanas lindas,
Capas negras a adejar ... "
A sua caminhada continua, passa pela Rua Visconde da luz, onde se senta num banco, apenas para ouvir e se deliciar com o frenesim da vida da cidade. Aí fica alguns minutos…
Fecha os olhos, abstrai-se de tudo à sua volta e tenta apenas contemplar os sons e decifrar a sua origem, qual e qual fazia no seu tempo de estudante.
À sua volta nada mais se ouve, a não ser a vida stressada da cidade, uma panóplia de sons para explorar, pensa para si, como é possível uma cidade ser recheada de tantos e diferentes sons. Se por um lado ouve uma guitarra ou uma tuna que atua na Baixa e sente uma tremenda euforia e saudade. Por outro, ouve os trabalhadores que entram ao serviço ou que saem, numa correria infernal. Sente o cheiro do velho Café Nicola, onde se refugiou tantas vezes. Tudo lhe transmite alegria e força de viver, a cidade não para e tudo é velho e novo ao mesmo tempo, se por um lado os sons o fazem recuar no tempo, por outro, fazem-no apreciar a nova vida da cidade e por ele ficava ali a tarde inteira para a sentir até ao tutano. De repente lembra-se que necessita visitar e contemplar um local que o marcou para sempre e prossegue a sua passeata até ao mítico Café Santa Cruz.
3) Café
Santa Cruz
Chegado ao ilustre local, senta-se na sua mesa “de sempre”. Embrenhado na aura de outrora, afunda-se em pensamentos. Tempos idos, relembrados e amados, ficam as pedras vivas como testemunhos. Será Coimbra dos Amores, dos Cantores e dos Poetas? O que será desta chama que me acende a alma, ficará para sempre guardada dentro das fronteiras desta cidade? Ficar ou não ficar, eis a questão? Nasce assim um amor profundo, consagrado num local com tanta história e estórias.
Era aquela exata mesa que o acolhia para decorar as leis, estudar e namoriscar. Um amor de todos os dias, não só o Café já o conhecia, como ele conhecia o Café de fio a pavio.
“ ... Igreja de Santa Cruz
Feita de pedra morena
Dentro de ti vão rezar
Dois olhos que me dão pena ...
Ao cair da tarde prossegue a viagem e decide jantar num restaurante que lhe é tão querido e familiar. Um local que lhe prende a memória ao frenesim que o fado sempre lhe transmitira…
4) À Capella
A viagem para novamente, com o lusco fusco, segue-se o jantar e a sede de continuar a sentir e a saborear Coimbra. O tempo voa e a saudade de quem ainda não partiu, aperta. Leva consigo Coimbra, os cheiros, os sons e as gentes. A chama fraqueja, mas de certo que a verá mais uma vez. Porque de Coimbra, fica o sonho e a saudade…
“Balada Da Despedida” – 5º ano jurídico Coimbra (1988) – Fernando Machado
“ ... Capa negra de saudade
No momento da partida
Segredos desta cidade
Levo comigo p'ra vida ...
Mais uma vez é assaltado pelos sons tão antigos e imortalizados neste recanto da cidade. Enquanto espera pelo jantar, é embalado pela voz dos fadistas da sua querida cidade, cantando um fado que fizera parte da sua despedida em tempos. De lágrima no olho, relembra todo o passado, aqui vivido e toda a rota feita. Percebe que terá de voltar um dia pois o sentimento é demasiado forte para que não a volte a ver.
O vinho e o jantar são servidos e mais uma vez repara nos sons de satisfação das gentes à sua volta, percebe que a alegria estampada no rosto se mistura com o forte sentimento do fado, ali tudo respira adoração pela Canção Coimbrã. Se uns rirem, outros deliciam-se com o prato, outros com as conversas, outros na azafamas dos seus afazeres como trabalhadores e tudo junto, forma o quadro perfeito.
Como não poderia deixar de ser, a sua ementa foi escolhida a dedo, tal qual os tempos de estudante, provou de novo o seu caldo verde e achou ser o mesmo de sempre, como se o tempo tivesse parado novamente. O fadista acaba de cantar e Afonso repara que teria estado em transe o tempo todo, recordando, vivendo e tentando decifrar todo aquele ambiente que o envolvia. Para que a viagem termine em beleza, Afonso faz a sua última paragem na mítica casa de fados, onde amadoramente cantou várias vezes, depois de ganhar coragem com o compincha vino.
4) Diligência Bar
Afonso detém-se na porta e pensa que chegou ao fim a tão esperada rota por Coimbra e pelos seus sons. E ao sentir o soprar do vento na face, cai em si. É aqui que se sente imortal, ao deixar a mágoa cantar por si, pois penosa é a hora de partir, mas, frenética, será a vontade de voltar.
Sentir Coimbra em cada viela é sentir a força do saber!
“Vento
de Coimbra” – Poeta: Frederico Prata
“ Viesse o vento de Coimbra falar
Sobre o longínquo passado distante
Diria que é, hoje, impossível voltar
Aos acordes daquele saudoso fado fulgurante ... ”
O itinerário é iniciado no cimo da Torre da Universidade de Coimbra (ponto 1): onde é possível observar o movimento da cidade vs. a calma do Rio Mondego tão clamada, segue-se o Fado ao Centro (ponto 2): onde se ouvir a canção de Coimbra, apelando à audição e olfato, mas a visita ainda pode percorrer a Rua Visconde da Luz (ponto 3): onde observar, de perto, a agitação da cidade, que nos guia até ao Café Santa Cruz (ponto 4): emblemático café com alma Coimbrã, onde se respira a tradição da cidade, a próxima paragem é feita no restaurante À Capella (ponto 5): aqui a evocação das papilas gustativas é imperativa, enquanto a audição é acarinhada para o fado ao vivo, a rota culmina numa boa opção de diversão noturna para quem se quer embrenhar nos meandros do fado da cidade, Diligência Bar (ponto 6).
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